Intensivistas fazem ‘a escolha de Sofia’, analisa médico londrinense assessor da Redbioética da Unesco

“Do ponto de vista da reflexão bioética, a situação emergencial, crítica, na qual o profissional tem que tomar uma decisão entre quem vai receber o benefício do leito de UTI e quem não vai receber é a ‘escolha de Sofia’”, definiu o médico londrinense, cardiologista e professor da PUC-PR José Eduardo de Siqueira, membro assessor da Redbioética da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) na América Latina e Caribe. Leia abaixo, reportagem concedida à jornalista Simone Saris em 1 de abril.

 

Intensivistas fazem ‘ a escolha de Sofia’, analisa médico

O romance do norte-americano William Styron ao qual Siqueira se refere narra a estória de Sofia, polonesa presa em um campo de concentração com dois filhos pequenos e que é obrigada a escolher qual deles irá para a execução.

Siqueira cita o estudo Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, feito em 2020 pela Fiocruz, no qual foram ouvidos 16 mil profissionais de saúde. Coordenado pela socióloga Maria Helena Machado, a pesquisa revelou o aumento considerável de alterações emocionais entre esses trabalhadores. “Quem toma a decisão, vai dormir com ela”, observou.

Pelo critério utilitarista adotado no mundo todo, disse Siqueira, entre a pessoa idosa e o jovem, se escolho o jovem porque ele tem uma perspectiva de permanência na sociedade mais longa. “Isso é muito cruel.”

Do ponto de vista da bioética, há um critério de reflexão que envolve dois momentos de ação. O primeiro, citou o médico, corresponde às autoridades públicas, que têm como missão defender a saúde pública. “Se no Brasil as autoridades de saúde tivessem observado o que aconteceu na Itália e na Inglaterra, a gente teria tomado decisões no sentido de aumentar o número de leitos, o que foi feito, mas teria que ter uma postura de vacinar em massa, testar em massa e isso não aconteceu.”

O segundo nível de responsabilidade diz respeito à atuação dos profissionais de saúde.“Alinãorestanadaanão ser tomar uma decisão de grande dramaticidade entre quem vai morrer e quem vai viver”, avaliou. “O maior erro está na atitude preventiva e na obediência à Constituição, fazendo com que as medidas e a alocação de recursos seja uma coisa sensata. Chegar a esse número obsceno, de 300 mil mortes, vamos ter que carregar na nossa história. Na Itália, em 2020, eles não tinham alternativa. Agora, nós, em 2021, teríamos que ter.”

Siqueira alerta ainda para outro ponto que considera de extrema importância, mas que não está sendo acolhido com o devido cuidado que é a impossibilidade de os familiares velarem seus mortos. “As famílias estão privadas de fazer uma elaboração do luto. Na cultura ocidental sempre tivemos momentos de elaboração do luto. Do ponto de vista do sofrimento humano, chegamos em um extremo de desrespeito à dignidade humana.”

Fonte: Folha de Londrina, em 1 de abril de 2021

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