O nascimento do apego

O NASCIMENTO DO APEGO
Dr. Renato Mikio Moriya e Dra. Paula Tammy Nakamura Moriya

Ter filhos é uma das maiores alegrias que uma mulher pode vivenciar. Criar uma nova vida é algo milagroso, transformador e monumental. O papel de pai e mãe é romantizado pelas fotografias encantadoras de mãe, pai e um bebê lindo e sorridente, fazendo com que muitos pais acreditem que ter um bebê e se ligar a ele é algo instintivo e que todo o adulto está “pronto” para assumir o papel parental, quando o bebê chega. Todavia, essa construção do apego, com relação a um bebê, não acontece da noite para o dia. Naturalmente, o vínculo com o bebê tende a ser instintivo, mas não é instantâneo nem automático. A fim de se conscientizar de suas complexidades e possíveis armadilhas, deve-se visualizar o vínculo como um processo contínuo.

A essência do papel de pai ou mãe repousa sobre o intercâmbio, o feedback intensamente gratificante que se estabelece entre o bebê e os pais. Os modos para adquirir esse intercâmbio são numerosos e altamente individualizados. O período de tempo de cada passo em direção a um apego íntimo e recompensador varia de pais para pais, mais em meses do que dias. Os recursos para adquirir o melhor papel como pai ou mãe começam com a liberdade de conhecer a si mesmo, de seguir as próprias inclinações, enquanto observa os sinais emitidos pelo bebê. A ideia é ajudar os pais a entenderem os estágios que são “normais”, na preparação e na adaptação a um novo bebê.

Considera-se que o vínculo dos pais com seus filhos é o mais forte de todos os laços humanos, sendo esse laço original e a principal fonte para todas as ligações subsequentes do ser humano. É o relacionamento formativo, no decorrer do qual a criança desenvolve um sentido de si mesma. Assim, a gravidez constitui uma oportunidade inigualável de mudança e crescimento para os pais. O estado gestacional é visto como um “estado de graça”, que deve ser socialmente cuidado e preservado. A mulher experimenta sentimentos de potência criativa, plenitude, realização e poder quase divinos, enquanto o feto em formação estará criando um relacionamento com a mãe no útero, respondendo ao seu toque, aos batimentos cardíacos, à sua voz, através da parede abdominal e à sua presença energética. O corpo da mulher, dotado de um espaço vazio, no qual abriga o bebê e promove sua passagem para a humanidade, contribuindo para levá-lo em direção ao mundo psíquico.

No parto, a mãe estará pronta a criar um novo vínculo; reorganiza-se inteiramente em termos de suas ligações, sua autoimagem e estará preparada a ingressar na condição que Winnicott descreveu como uma espécie de “doença normal”, um estado de envolvimento total em que as mães tornam-se capazes de calçar os sapatos do bebê, momento em que não faz sentido pensar num indivíduo, em uma unidade, mas no complexo mãe-bebê. Para os pais, os recém-nascidos são harmoniosamente programados para corresponderem às suas fantasias e recompensarem todo o trabalho da gravidez. Os traços característicos do bebê e a sua aparência estimulam respostas protetoras: o rosto redondo, macio; o cabelo fino e fofo e a pele delicada, de textura extraordinariamente suave; os membros curtos e o torso relativamente longo; as mãos pequeninas, bem cinzeladas, que se agitam desamparadamente. Os adultos são “programados” a acolher e cuidar dos membros pequenos de sua própria espécie que sejam dotados de certas características físicas específicas.

Na fase inicial da vida, paira um grande poder de adaptação mútua. Os bebês são surpreendentemente bem organizados, interativos e sensíveis ao seu ambiente e, desde o primeiro momento, agem no sentido de se moldarem adequadamente às reações dos pais. Os bebês sincronizam seus movimentos de acordo com o ritmo da voz da mãe. Os movimentos do bebê combinam-se com os da mãe, que, por seu lado, adapta sua fala aos movimentos da criança. Os pais descobrem qual a altura e o ritmo de som que cativa seu bebê, que inicia uma espécie de dança ao som da voz dos pais. O bebê também se ajusta e se acomoda ao corpo da mãe quando esta o segura. Quando a mãe automaticamente o aconchega ainda mais, o bebê também se molda ainda melhor a seu corpo, abrindo as perninhas para chegar mais perto. Se a mãe se inclina para falar em sua orelha, ele se volta na direção da voz e olha para o rosto materno. Quando o encontra, sua face e os olhos brilham.

Assim, as capacidades sensoriais do recém-nascido manifestam a riqueza do repertório comportamental de cada criança, colaborando sobremaneira para fortalecer o apego. Os pais que apreciam e valorizam este repertório estão prontos a entrar num diálogo rico com seu bebê. A interação visual no período pós-natal pode ser tão importante quanto a amamentação, que também coloca o bebê na distância perfeita para focalizar os olhos da mãe. Mesmo na sala de parto, as mães preferem segurar seus bebês olhando-os face a face. Ainda, um bebê é capaz de discriminar e preferir a voz materna nas primeiras horas de vida, voz que ouvia desde os seis meses de gestação, o mesmo acontecendo com o cheiro do corpo da mãe, que é reconhecido nos primeiros dias após o nascimento.

Sobre o fato de o bebê nascer pronto para interagir com o ambiente, vir ao mundo preparado para recompensar os adultos por suas reações adequadas, o seu comportamento guia os pais a cada novo passo. Os pais necessitam que o bebê responda a seus cuidados. À medida que este reage de modo “bem-sucedido” a seus cuidados, os pais são recompensados pelo feedback de seu sucesso. Todavia, aprendem também quando não recebem uma resposta bem-sucedida do bebê, aprendem sobre frustração, acerca do “outro lado” de serem pais. Isso significa que o apego e os cuidados parentais também implicam processos de aprendizado sobre como lidar com a cólera, a frustração, o desejo de fugir do papel e mesmo de abandonar a criança. Aprender a viver com esses sentimentos e a olhar além deles à procura das simples, mas profundas, recompensas da criação de seu filho – os sorrisos, os estágios desenvolvimentais –, tudo isso ensina os pais a terem um equilíbrio necessário e essencial para o alvorecer do apego, pois, se não existissem os sentimentos negativos de desapontamento, frustração e fracasso, os sentimentos de sucesso não seriam tão compensadores.

Nesta dança, os pais, na medida em que cuidam dos bebês e recebem respostas, aprendem a ajustar-se aos ritmos, aos comportamentos e às necessidades de um novo ser. O comportamento do bebê e as respostas instintivas dos pais confluem para alimentar o crescimento do apego entre as duas partes. As respostas do bebê são uma confirmação contínua de que sua ação é adequada. Pelo visto, pode muito bem acontecer de os pais apaixonarem-se pelo bebê à primeira vista, mas a permanência desse amor é um processo de aprendizagem – de aprender a conhecer a si mesmo, bem como o bebê.

Concluindo, as crianças são seres humanos em desenvolvimento e, portanto, profundamente dependentes de sua família. Nos primeiros anos de vida, o ser humano é, de toda a natureza, o mais frágil, dependente e necessitado de cuidados. Essa fragilidade inicial da espécie humana determinou o surgimento de vínculos muito fortes entre mãe e bebê, primordial para a sobrevivência da espécie. No decorrer da vida, novas interações são fundamentais ao desenvolvimento e à estruturação dos seres humanos, tornando necessários muitos anos de acompanhamento familiar e de ensinamentos complexos. Na natureza, os filhos mais bem cuidados e mais bem dotados são os que terão mais sucesso. E a função materna – e, em anos mais recentes do processo evolutivo, também a função paterna – foi aprimorando-se ao longo de milhares de anos, proporcionando o nascimento da família, núcleo de apego, criação e de educação dos filhos

 Fonte:  Revista cultural Iátrico-Nascer, junho de 2021

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